sábado, 29 de março de 2008

Quinta-feira, Dezembro 28, 2006


Estórias de Caítulo único
Capítulo I - O Baú

- Carlinhos, eu fiz uma peça de teatro!
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- Ah, pára com isso Zezinho, depois que a gente foi ao teatro, você não tira isso da cabeça! Semana passada você disse que faria um filme, e cadê? É só você ver qualquer coisa, que já quer imitar. Você não sabe nem escrever ainda! Só sabe desenhar seu nome.
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- É sério Carlinhos, já fiz uma música, e uma outra já comecei, tá tudo aqui, na minha cabeça, quer ouvir?
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- Ai ai, me deixa em paz e joga logo essa bola, vamos brincar, vamos!
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- Tá booom...
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Mas o Zezinho não havia desistido, não, claro que não...ele tinha sim algo a dizer, e sabia que o que ele tinha prá dizer, mudaria o mundo como nunca ninguém jamais sonhou! E a cada chute que dava na bola, milhões de idéias lhe saltavam pela cabeça, e ele já não suportava mais, tinha que contar aquela estória prá alguém, precisava compartilhar aquele fervilhar de visões que lhe acometia! E então pediu prá sua mãe um caderno, mesmo sem saber escrever ainda. A mãe, muito ocupada, logo deu um caderninho velho que havia em casa, no baú de seu pai, uma baú verde, que ele nunca deixava que o Zezinho mexesse.
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Então ele desenvolveu uma técnica muito criativa: a cada idéia, fazia um desenho, de modo que ele nunca se esqueceria de nenhuma parte da estória, como hieróglifos criados por ele, com símbolos prá cada personagem, entre outras inventividades. Todos sempre diziam que ele havia herdado a criatividade do pai, e ele nunca entendeu porquê, já que seu pai vivia triste, e não fazia nada além de trabalhar, assistir ao noticiário a noite, futebol na TV de vez em quando, e nem tinha coragem de ir muito longe de casa, mas tudo bem.
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Logo o Zezinho percebeu que estava mesmo dando certo usar aquele caderninho, as idéias fluíam como nunca! E sua peça de teatro já estava quase pronta, quando seu pai chegou em casa, e o viu usando aquele caderninho velho, com as páginas amareladas e soltou um grito, assustado, e com raiva.
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- Onde encontrou este caderno menino! Já lhe disse prá não mexer em meu baú!
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- Foi a mamãe que pegou prá mim papai, eu pedi à ela um caderno, e ela me deu este.
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- Me dê logo isso, eu vou falar com sua mãe. Amanhã lhe trago um caderno novo.
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- Mas pai, todos os meus desenhos, minha estória, tá tudo aí!
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- Esqueça desse caderno filho, amanhã lhe trago outro, e você faz mais desenhos.
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- Mas pai, não será a mesma coisa, é a minha peça de teatro! O meu filme! Minhas músicas!
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Seu pai não lhe deu ouvidos, e ainda ralhou com a esposa por ter mexido no baú. Ela tampouco entendia o que havia de tão misterioso naquela caixa de madeira que ele usava de assento em seu quartinho de estudos, que na verdade, era um enfeite na casa, pois ele raramente o visitava, só prá limpá-lo de vez em quando, já que não permitia que a faxineira o fizesse. A esposa o conheceu depois dele ter trancado o tal baú, por isso ela desconhecia esse capítulo de sua vida, e nunca se atreveu a fazer muitas perguntas.
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Zezinho chorou muito essa noite ao perceber que não conseguiria repetir tudo o que havia no caderninho. Ao receber seu caderno novo, com as folhas branquinhas, e um jogo de canetas coloridas, odiou seu pai, como nunca havia odiado alguém...
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Por um tempo Zezinho parou de escrever, ou melhor, desenhar suas estórias, se convenceu de que não tinha o menor talento prá isso, e acabou desistindo definitivamente, e então, não mais odiou seu pai. Mas sem saber como, ou porquê, á medida que ia crescendo, e entendendo melhor as coisas, percebia que seu pai não havia deixado de odiar a si mesmo, pelo contrário, gostava cada vez menos do que via nos espelhos.
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Chegou a hora em que o Zezinho finalmente entrou para o grupo escolar, e enfim, aprendeu a escrever de verdade! Seu primeiro encontro com as letras foi tímido, pois ele tinha na cabeça que nunca teria a menor intimidade com aquelas letrinhas...mal sabia ele que é totalmente dispensável conhecer alfabetos ou saber ler e escrever para se contar maravilhosas estórias!
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Certo dia, véspera do aniversário de 11 anos do Zezinho, (que já não gostava muito de ser chamado assim, preferia Zeca) ele foi buscar alguns copos na dispensa prá ajudar sua mãe a aprontar tudo para a sua festa, e viu o quartinho de seu pai entreaberto, e de lá vinha um barulho, como se houvesse alguém dentro do baú. Mas sabendo como seu pai odiava que entrassem em seu quartinho, o Zeca logo se afastou com os copos para entregá-los à sua mãe, preferindo não procurar saber o que era, apesar da enorme curiosidade, despertada também pelo medo do que poderia ser. Entretando, como sua mãe sempre dizia, por mais estranho que parecesse, deviam respeitar a vontade do pai.

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